O Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC e sua influência na maricultura catarinense

16/08/2019 11:03

O crescimento das ostras depende de uma larva, chamada de semente ou matriz. O LMM é capacitado para produzir um grande rol de espécies de moluscos, cuja produção é vinculada com a cultura local e as condições climáticas e geográficas.

O Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC (LMM) é essencial à prosperidade da Maricultura em Florianópolis. As sementes de ostras, por exemplo, dependem da produção em laboratório, considerando que na coleta natural não há volume de sementes para atender a demanda comercial. O laboratório produz demandas muito grandes, na casa dos milhões, cujos excedentes são comercializados e, por consequência, geram retorno financeiro. Apesar de existir um outro Laboratório privado em Florianópolis, a UFSC atende a maior quantidade de ostreicultores, fomentando o mercado local há mais de duas décadas. Na safra de 2016-2017, foram cerca de 217 vendas, que oscilam entre 50 mil e um milhão de sementes.

No âmbito da pesquisa científica, o laboratório possibilita que a maior parte dos acadêmicos da engenharia de aquicultura realizem seus estudos em suas locações e, eventualmente, possibilita colaborações com pesquisadores de outras áreas, como biologia, engenharia de alimentos e engenharia sanitária. Segundo Claudio Blacher, que gerencia o LMM, a pesquisa é mantida, em grande parte, pela comercialização de excedentes, que proporciona retorno na estrutura do laboratório, fazendo com que o mesmo seja o maior do Brasil no setor de moluscos.

Com fundação nos anos 90, o LMM especializou-se na reprodução e produção de moluscos bivalves e tem dedicado-se ao estudo de técnicas de reprodução da espécie Crassostrea gigas, popularmente conhecida como ostra do pacífico, e a Crassostrea gasar, uma espécie de ostra nativa. Nos últimos anos, mexilhões, vieiras, berbigões e outras espécies nativas também foram prioridade para o LMM.

O Mercado

Santa Catarina lidera quase completamente o mercado nacional de ostras, com 98% da produção. Segundo dados do InfoAgro, foram produzidas 2490 toneladas em 2017, com 552 produtores no estado e concentração de 80 na capital. Nesse ano foi criado um Selo de Inspeção Municipal (SIM) para o pequeno produtor de ostras que atende o mercado local. Até abril, 21 criadores possuíam o selo, que difere-se dos selos já existentes, que regulamentam o mercado que exporta para outros estados, por exemplo. Em entrevista, Tatiana Cunha, presidente da Associação de Maricultores do Sul da Ilha (AMASI) , disse que vê a medida como positiva, além de ressaltar que a pluralidade de mais laboratórios também seria benéfica à maricultura, algo que Blacher também defende.

Fonte: Síntese Anula de Agricultura de Santa Catarina 2017-2018 (Epagri)

O mercado tem esfriado desde 2014, cujo principal fator é a maré vermelha, fenômeno natural e esporádico que consiste em um pico de crescimento (bloom) de fitoplâncton em determinadas áreas, fazendo com que a cor da água se altere para tons de amarelo, vermelho ou alaranjado. Essas microalgas (fitoplâncton) produzem toxinas que alimentam os moluscos, que as filtram da água do mar e acabam sendo contaminados, impossibilitando o comércio, em virtude do risco ao consumidor. Outro fator que dificulta o mercado de moluscos é a duração do produto in natura, que vai até 4 dias em restaurantes e peixarias, limitando o comércio varejista. Também houve diminuição no número de maricultores, que eram 604 em 2016 e agora são 552 (redução de 8,6%) , seguindo a diminuição do número total de pessoas envolvidas no processo, que eram 2185 em 2016 e hoje são 1915 (redução de 12,4%).

Fonte: Síntese Anula de Agricultura de Santa Catarina 2017-2018 (Epagri)

 

A maricultura catarinense data da década de 80, anteriormente só se cultivavam mariscos. Quanto à distribuição geográfica, atualmente Florianópolis lidera a produção de todos os moluscos no Estado, com exceção dos mexilhões, que são produzidos majoritariamente pelo município de Palhoça, vizinho da capital. Outras cidades de destaque são Penha, Governador Celso Ramos e São José, com números expressivos nas produções, porém ficando muito atrás de Florianópolis. O mercado é concentrado em Santa Catarina pelas condições climáticas, como a temperatura da água, que possibilita grandes safras de ostras japonesas, por exemplo.

 

A Produção

Os moluscos em geral produzem muitos gametas, podendo chegar a centenas de milhões, facilitando a produção de excedentes de larvas e sementes. Com duração de 2 a 6 meses, o processo de produção de sementes de moluscos bivalves inicia-se na obtenção de  reprodutores (coletados naturalmente ou condicionados em laboratório). Após a desova, ou liberação de gametas, realiza-se a fecundação e, 24 horas depois, inicia-se a larvicultura, que leva em média duas a três semanas, variando conforme a espécie, temperatura média e alimentação. Nessa etapa, são utilizados tanques de 20 mil litros de água, onde larvas planctônicas nadam e se alimentam, com densidade entre 1 a 10 larvas/mL. Essa parte do processo exige um grande esforço dos cultivadores, que devem retirar as larvas dos tanques todos os dias, drenando-os e retendo-as em malhas conforme o tamanho.

Bolsas utilizadas no processo de produção de microalgas, organismos que servem de alimento

Finalizada essa etapa, inicia-se o assentamento, fase que pode durar de 2 a 5 meses e tem início quando as larvas atingem 238 µm, em média, e percebe-se uma mancha escura de 2 ou 3 µm no interior das larvas, sinalizando que tornaram-se larvas olhadas. Esses são os sinais que as mesmas podem ser assentadas dando continuidade ao processo de metamorfose e tornarem-se pré-sementes. O LMM utiliza a técnica de indutores químicos para assentamento de larvas, que resulta em um rendimento maior em relação a outras técnicas, facilitando o manejo dos produtores posteriormente. Nessa técnica, após a indução ao assentamento (banho em solução de epinefrina) as pré-sementes são inseridas em tanques upweller contendo cilindros de fibra de vidro com uma malha de nylon no fundo onde as larvas assentadas são depositadas. Os tanques devem ser drenados todos os dias, lavando as larvas com jatos d’água. A medida que elas crescem, as mesmas devem ser peneiradas e separadas em mais tanques, dependendo do tamanho.

Um dos fatores mais importantes para a produção é utilização de água do mar, que deve ser filtrada e esterilizada. Inicialmente, os tanques utilizados eram de 6 mil litros, mas, em função da demanda e do aumento de produtividade, começaram a ser utilizados tanques de 20 mil litros, assim como a utilização de bolsas de 100 litros para produção de microalgas, que com o sistema de produção semi-contínuo, duram 60 dias, superando os 2 ou 3 dias anteriores. Em 2002, o LMM aprovou um projeto junto com a FAPESC e a FINEP para tornar a produção mais eficiente e sustentável, com enfoque em ganhos de produtividade na produção de microalgas, assentamento e larvicultura.

 

A Estrutura

Ainda que não seja um monopólio absoluto, o LMM atende uma demanda gigantesca, o que pode dificultar a existência de outros laboratórios privados. Seus integrantes defendem que a existência de outros laboratórios seria benéfica, pois traria mais segurança ao setor. Atualmente existe um outro laboratório na capital, integrando o setor privado, e também outros dois grupos de produtores que estão estudando a viabilidade de implantar um novo laboratório na região, através do auxílio do SEBRAE. Blacher atesta que um dos maiores dificultadores para o bom andamento do LMM é o excesso de burocracia, que permeia o setor público nacional. Essa conjuntura prejudica procedimentos como contratações de serviço e compras de materiais e afasta empresas que não estão preparadas ou não querem predisporem-se a apresentar grandes volumes de papéis para obter um lucro relativamente baixo. O esforço dedicado a contornar esses problemas acaba sendo um grande entrave na produtividade do Laboratório.  “Todo e qualquer recurso público só pode ser utilizado em transações com empresas privadas 100% regulares do ponto de vista fiscal, portanto, se as estatísticas estão corretas, apenas cerca de 15% das empresas nacionais estão aptas a negociarem conosco, ou seja, restringe muito o nosso universo, quando não nos impossibilita a compra direta”, afirma Blacher.

Pertencente ao Departamento de Aquicultura da UFSC, o LMM é localizado na Estação de Maricultura “Elpídio Beltrame”, na Barra da Lagoa, em Florianópolis (SC)

Segundo o Plano Estratégico para Desenvolvimento Sustentável da Maricultura Catarinense, da Epagri, “O procedimento atual para se requerer a concessão de uma área aquícola marinha em águas da União é muito burocrático e demorado, podendo levar vários anos para ser aprovado. É preciso que os governos estadual e federal revejam os procedimentos de concessão e busquem uma forma de aperfeiçoar esta etapa, idealmente através da descentralização da gestão para o estado de Santa Catarina”. Em matéria de Juliana Sayuri, para a Folha de S. Paulo, um micro produtor de Florianópolis também destaca a importância do fomento público. “No papel, é lindo, mas o pequeno produtor ainda precisa de apoio do poder público. Faltam acompanhamento, agilidade até para autorizar a construção de trapiches, atenção para o destino do resíduo”, afirma.

O plano, que foi elaborado de modo participativo com maricultores, visa o desenvolvimento em uma década 2018-2028, e em suas considerações finais, afirma que o sucesso do mesmo depende da superação da ausência de sistemas de monitoramento do plano e alocação de recursos financeiros inadequados. O plano também prima por monitoramento e feedbacks, tomando como exemplo países estrangeiros, juntamente com a simultaneidade de formalização e fiscalização, para gerar segurança e manter o mercado estável, e investimento do poder público, possibilitando que o setor, ainda obsoleto, possa ter condições de se autofinanciar e aumentar seu impacto econômico e social. Assim, o documento afirma que a assistência do Estado poderia ser reduzida gradualmente, e faria com que a maricultura se equiparasse a setores de destaque do agronegócio catarinense, como a produção de aves e suínos.

 

 

 

 

Eduardo Vargas – Pró-Reitoria de Pesquisa UFSC