Os Saberes Elementares da Matemática e a formação do professor de matemática brasileiro

09/11/2017 11:23

Quando perguntamos para qualquer criança se ela gosta de matemática só existem duas respostas possíveis: “Eu amo matemática!” ou “Eu odeio matemática!”. Assim como em suas fórmulas e operações, a resposta é sempre exata, mesmo se for uma negativa. Para o professor e pesquisador David Antônio da Costa não existe somente uma matemática, ela é um mundo de interpretação que vai além do singular.

O professor David, do Departamento de Metodologia de Ensino, acredita que é necessário conhecer o passado. “Saber como foi a história do ensino é o que ajuda entender a identidade do professor de matemática”. David Antônio faz parte do Grupo de Pesquisa de História da Educação (GHEMAT), um grupo de âmbito nacional que existe há dezessete anos, reúne dados e produz pesquisas históricas sobre o ensino de matemática no Brasil. Para divulgar as pesquisas de cada estado respectivo ao professor/pesquisador que as produziu, os membros do GHEMAT se encontram todos os anos nos Seminários Temáticos que tratam dos Saberes Elementares da Matemática. A cada encontro é lançado um livro que é a sínteses das pesquisas produzidas no ano.

O projeto Saberes Elementares da Matemática está em andamento contando com professores de diferentes estados do Brasil que analisam historicamente o ensino de matemática nas escolas primárias. Desde o início, em 2012, trabalham uma categoria de fonte de pesquisa específica: no primeiro ano abordaram as legislações, no segundo as revistas pedagógicas, no terceiro estudaram os livros didáticos e manuais pedagógicos, e no atual ano do projeto trabalham com cadernos escolares e provas avaliativas feitas pelos alunos ao longo do século XX. Utilizando estas fontes de pesquisa cada membro envolvido no projeto se concentra na sua região. “Nos dividimos por estados, eu que estou em Florianópolis vou pesquisar registros desta época em Santa Catarina.”

No momento, o grupo se encaminha para a quarta edição, as outras três lançadas com a participação de diferentes pesquisadores, foram publicadas e apresentadas nos Seminários Temáticos de âmbito nacional relativo aos Saberes Elementares da Matemática. O projeto como um todo faz um resgate histórico com foco nos meios de ensino de cada época. Pelo projeto estar voltado ao ensino primário, foi analisado na pesquisa os Grupos Escolares, instituições de ensino do início do século XX que não existem mais, mas guardam os princípios das escolas estaduais ou municipais como conhecemos hoje. Antes dos Grupos Escolares a estrutura de ensino era muito diferente da atual, com somente um professor para ensinar todas as ciências às crianças de diferentes faixas etárias.

Os três livros da coleção – Saberes Elementares da Matemática

Analisar a época e o local em que se insere determinada forma de ensino é importante para a formação do contexto da pesquisa e é nessa circunstância que se insere os grupos escolares. “Um dos primeiros grupos escolares foi fundado em 1894 no estado de São Paulo. E, a partir do primeiro, esse modelo de escola foi levado para outros locais do Brasil no início do século.” Os primeiros grupos se estabeleciam em grandes construções ornamentadas pelo estado que buscavam ostentar o início do Brasil república, segundo o professor. “Para me debruçar nas pesquisas para falar da história do ensino da matemática existe uma necessidade da compreensão da estrutura do ensino em certo período.” O Grupo Escolar é o lugar da pesquisa utilizado para analisar o tema inicial proposto pelos professores pesquisadores, mas não o seu tema principal.

Fatos e contextos históricos contribuem para o mapeamento da história do ensino dos saberes elementares da matemática em determinadas épocas. “Por exemplo, dentro da pesquisa conseguimos mapear que, no início dos primeiros grupos escolares, os alunos aprendiam matemática através do ensino intuitivo, do empirismo.” Um método visual e tátil de ensinar crianças, por meio de materiais, contadores, e outros objetos espaciais que ajudavam na compreensão da matemática.

Para estudar mais profundamente o estado de Santa Catarina, o professor David Antônio da Costa interage com outros professores pesquisadores do Departamento de Metodologia do Ensino para discutirem o tema regionalmente.

Tendo como referência a época e a data pesquisada, a partir dos cadernos dos alunos é possível compreender como ocorriam determinados métodos de ensino. “O que tem de tão importante em 1923? O momento em que Lourenço Filho saiu de São Paulo e foi para o Ceará começar a reforma educacional nas escolas da região.” Analisar o caderno de uma aluna ou aluno que vivenciou essa época no Ceará permite ver o resultado dessa reforma e como ela se enquadrou em alguns grupos escolares.

Reconhecer os efeitos que certa reforma de ensino causou, e identificar enunciados e outros esquemas utilizados por professores para ensinar matemática, é um dos objetivos da pesquisa. “A pergunta é o que nos direciona dentro de uma pesquisa histórica. Eu posso ter acesso aos cadernos, aos documentos, mas se eu não tiver um objetivo, uma inquietação para a pesquisa, não encontrarei nenhum resultado.”

O professor gostaria de voltar ainda mais no tempo para realizar mais análises documentais, mas grande parte dos registros de livros e catálogos não se encontram no Brasil. “A lei de classificação e arquivamento no Brasil é muito recente, então muito do que aconteceu antes dos anos 60 ainda está sendo procurado para a escrita de uma história.” Segundo o professor David Antônio foi necessário recorrer a países como França para encontrar exemplares de livros do século XIX para o ensino de matemática no Brasil. A lei brasileira do depósito legal,  que é a norma de registro das publicações para a Biblioteca Nacional, é recente. Da mesma forma muitos acervos e dados escolares de período anterior à década de 70 são difíceis de serem localizados. Grande parte destes documentos estão em órgãos públicos do estado quase sempre fragilizados pelo tempo.

Para fazer com que a pesquisa e os documentos encontrados e utilizados pelos professores pesquisadores do GHEMAT nacional fossem acessados por qualquer pessoa, eles estão disponibilizados, em versão digital, no Repositório Institucional da UFSC. “Por esse ser um ambiente aberto e ser da UFSC é possível colocar documentos digitalizados numa espécie de nuvem e também receber mais materiais de professores pesquisadores de outros estados”. O professor ainda conta que esse sistema do Repositório ajudou na rapidez da disseminação de informações dos resultados das pesquisas produzidas pelo grupo. A outra faceta do repositório é que os dados não ficam confinados num local restrito aos pesquisadores, eles podem e estão disponíveis para a toda a comunidade acadêmica.

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GHEMAT

Linda Inês P Lima
Comunicação Pró-Reitoria de Pesquisa UFSC