Ciências da terra e da vida – Paciência, persistência e lucidez

31/10/2018 15:56

Fundado em 2014, o Instituto Serrapilheira é uma organização privada, sem fins lucrativos, que busca incentivar através de chamadas públicas projetos de pesquisa que atuem nas áreas de ciências naturais, ciência da computação e matemática. Funcionando oficialmente desde 2017, em sua primeira chamada pública, o Serrapilheira selecionou mais de 65 projetos espalhados em todas as regiões do país.

Na Universidade Federal de Santa Catarina, duas pesquisadoras foram contempladas pela seleção (clique aqui para saber mais sobre o outro projeto selecionado). Intitulado “VulnerAmazon: A new look at Amazonian forest vulnerability and resilience”, o projeto coordenado pela professora Marina Hirota, do Departamento de Física, busca identificar, dentro da Floresta Amazônica, locais que sejam mais ou menos vulneráveis a perturbações, principalmente àquelas relacionadas ao regime de chuvas regional e às atividades antrópicas de maneira mais local e heterogênea.

Segundo previsões do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, eventos extremos relacionados à quantidade de chuva, como por exemplo episódios de seca extrema, tendem ser mais frequentes e mais intensos no futuro. A abordagem do grupo busca observar as vulnerabilidades de grande escala (chuva) e quais consequentes efeitos de escala local, isto é, desde uma espécie de árvore até uma comunidade com um conjunto de espécies. Assim, o intuito é observar como os vários tipos de florestas diferentes existentes na Floresta Amazônica respondem à falta de água e analisar o papel dessa heterogeneidade da floresta na resposta combinada de diversas comunidades diferentes de plantas.

Segundo Marina, existe uma palavra mágica que resume o projeto: resiliência. O grupo objetiva reconciliar vertentes do significado ideológico e conceitual da palavra com os objetos de estudo. “O que queremos fazer é conciliar várias frentes do que é a vida de uma planta, então não só a mortalidade, mas também o crescimento e não só recuperação, mas também o quanto que ela resiste. Uma das hipóteses que nós temos no trabalho é que, quanto maior a variabilidade de condições ambientais, mais resiliente será a comunidade de plantas e quanto maior a heterogeneidade das comunidades de plantas, maior a resiliência sistêmica da bacia como um todo, isto é, menores as chances de haver um colapso de toda a floresta, como já foi previsto por modelos no início dos anos 2000.”

O projeto é interdisciplinar, contando com profissionais das áreas de meteorologia, ecologia, computação e engenharia da UFSC, Unicamp e UFRJ. Existem também pesquisadores que fazem parte de um network construído por Marina fora do país, na Holanda.

Atuante na UFSC, desde 2013, a professora conta que sua carreira sempre foi construída em diversas áreas. Graduada em matemática aplicada, seu curso de mestrado foi em engenharia elétrica e computação e seu doutorado em meteorologia, curso no qual ministra suas aulas na universidade. O pós doutorado, realizado na área de ecologia teórica, trouxe maior satisfação profissional para Marina, que, até então, trabalhara com produção de modelos e teve a oportunidade de estudar com trabalhos realizados em campo. “Eu já nem sei mais o que eu sou de formação […]. Eu trabalho muito na interface entre áreas. E assim nasceu o projeto submetido ao Serrapilheira.”

A verba concedida pela seleção será usada para repor instrumentos em falta, para a continuação do trabalho, assim como para o pagamento de bolsas para estudantes de pós-graduação que pensavam em desistir do trabalho, tendo em vista que continuariam a não receber bolsas. A professora enfatiza ainda que, considerando o corte de gastos destinados à ciência no Brasil, foi uma grande sorte terem sido contemplados na repescagem de projetos selecionados.

Mães fazendo ciência

Cartilha desenvolvida para crianças tratando sobre o objeto de estudo do grupo.

O resultado da seleção foi divulgado a partir da ligação telefônica de Cristina Caldas, parte da equipe executiva do Instituto Serrapilheiras. Como conta Marina, a descoberta foi uma surpresa e um alívio, pois o primeiro resultado já havia sido publicado meses antes e ela já pensava em outro projeto que poderia ser inscrito em outra oportunidade. “Pra ter ideia, eu nem lembrava mais o que a gente tinha escrito exatamente como objetivos […].  Na época do deadline eu estava em licença maternidade. Agora, voltando ao normal dos efeitos dos hormônios, consigo pensar no quanto isso caiu como uma luva”.

Questionada sobre sua produção após a maternidade, Marina diz que se tornou uma pesquisadora muito melhor e mais produtiva. “Tá mais legal do que era […]. Sou mais eficiente, tenho mais lucidez quando venho trabalhar.” Com turnos corridos antes de se tornar mãe, hoje em dia, seu trabalho pode ser dividido em diversos períodos durante o dia, podendo conciliar a ciência com a responsabilidade de ser mãe. Reforça também que a presença do seu filho despertou nela uma criatividade infantil que, anteriormente, estava perdida na correria da vida profissional.

 

Leticia Silva 

Divulgação Propesq