Mulheres transformam realidades dentro da pesquisa brasileira

21/08/2017 13:38

Sem serem convidadas a participar da ciência, as mulheres chegaram nessa esfera e agora estão inseridas em diferentes áreas da pesquisa no Brasil. A Editora Elsevier revela que 49% das pesquisas no país são produzidas por brasileiras. Essa é a maior porcentagem de cientistas do gênero feminino no mundo. A professora Joana Maria Pedro, do departamento de História, e a Secretária Francis Solange Tourinho, da Secretaria de Ações Afirmativas (SAAD), caracterizam essa realidade dentro da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A pesquisa “Gender in the Global Research Landscape”, da editora holandesa especializada em termos científicos Elsevier, mapeou o gênero dos pesquisadores em alguns países, entre eles o Brasil. Com dados coletados de 1996 a 2000 e de 2011 a 2015, o estudo apresenta um crescimento de 11% da participação feminina no Brasil desde 1996, porcentagem maior que em países como Estados Unidos, Reino Unido, Portugal e Japão.

“Eu comecei na pesquisa pois tinha vontade de saber como as coisas eram feitas e como eu poderia ajudar.” Francis Solange Tourinho – Secretária da Secretaria de Ações Afirmativas UFSC. Foto: Henrique Almeida/Agecom

A área da saúde envolvendo medicina e bioquímica é a que mais concentra mulheres no Brasil, assim como acontece na graduação da UFSC. De acordo com a SAAD, o Centro de Ciências da Saúde (CCS) tem 2117 alunas num ambiente de 2996 estudantes matriculados. A Secretária da SAAD, Francis Solange Tourinho, foi uma estudante de enfermagem da UFSC na década de 80 e afirma que, a partir daquela época, a quantidade de mulheres no curso aumentou.

“Eu comecei na pesquisa através de uma bolsa de iniciação científica, pois tinha essa vontade de saber como as coisas eram feitas e como eu poderia ajudar.” Francis conta que a distribuição de Bolsas de Iniciação Científica estava no início da sua implantação na UFSC e ainda não havia remuneração. “Mesmo assim eu fui atrás para participar do grupo de pesquisa que tinha na enfermagem.” O foco da pesquisa era a intoxicação causada pela ingestão de “garrafadas” preparadas por curandeiras da região da Serrinha. “As pessoas não tinham o hábito de irem até o posto de saúde e, por isso, elas recorriam a curandeiras da região.”

A teoria aplicada dentro do grupo de pesquisa fez Francis entender que, para mudar aquela realidade e conhecer o que estaria intoxicando as pessoas, ela precisaria se inserir naquele meio. “Então eu fui até lá e aprendi a fazer garrafada junto da curandeira.” Dessa maneira ela entendeu o motivo pelo qual algumas “garrafadas” intoxicavam as pessoas e, então, pôde sugerir mudar a dosagem dos ingredientes. Para Francis, entrar na pesquisa fez com que ela soubesse como contribuir para a comunidade ao seu redor. “Para mim isso era o mais importante, saber como ajudar.”

Enquanto Francis realizava seu projeto de pesquisa na graduação, a Professora de História Joana Maria Pedro começava a dar aulas na UFSC. “Na época já havia muitas mulheres na graduação, mas os cargos de poder eram sempre ocupados por homens.” A professora, natural de Itajaí, sempre quis se formar em matemática, mas, por não haver o curso em sua cidade, se formou em História. “Nem passava pela minha cabeça sair da minha cidade para estudar matemática.” Depois de concluir a graduação em 1972 na Universidade do Vale do Itajaí, realizou seu mestrado na UFSC, doutorado em São Paulo, um pós-doutorado na França e outro nos Estados Unidos. Ela acredita que um dos grandes precursores do protagonismo feminino na ciência são as bolsas de iniciação científica. “Hoje é normal ver uma mulher pesquisadora, mas antigamente elas eram tão raras que viravam história.”

Na visão da professora Joana, a escola era uma forma de libertação tanto para ela como para outras mulheres. Anos depois, Francis Solange Tourinho via as instituições de ensino como um local de experimentação. Após realizar o mestrado e o doutorado, ela é uma das sete mulheres Bolsista de Produtividade Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora do CNPq na UFSC. “O doutorado foi um prêmio para minha autoestima, pois ser mulher pesquisadora no Brasil não é fácil, ser mulher negra pesquisadora no Brasil é mais difícil e ser mulher enfermeira é pior ainda.”

Francis passou por situações como a desvalorização da sua posição no trabalho por ser mulher. “Uma vez apareceu um senhor no HU que havia sido mordido por uma cobra, mas ele não queria que eu o atendesse. Quando me viu pensou que eu era uma aluna e pedia a todo o momento que eu chamasse o meu professor.” Para conseguir atender o paciente ela fez um aluno se passar por seu professor enquanto em outra sala ditava todos os procedimentos para que o paciente não percebesse. Francis afirma que essa cena chamou sua atenção pela simplicidade do senhor, “Infelizmente essa atitude de desconfiarem da minha posição não se limitou somente àquela vez, algumas pessoas não me veem como a pesquisadora que eu sou”.

“A mulher da minha época era ensinada a casar e a ter filhos.” – Joana Maria Pedro Professora de História da UFSC e Pesquisadora em Produtividade CNPQ Nível 1A. Foto: Solon Soares/Agência ALESC

Joana Maria Pedro acredita que essas atitudes também provam o quanto os alunos estão condicionados a imaginar os teóricos como homens. “Sempre que dou um texto obrigatório, meus alunos imaginam que o autor é um homem, independente da sigla ou do tema.” Ela ainda explica que é comum esse comportamento e que, quando ela replica falando que pode ser uma mulher, os alunos mudam o tom da discussão. “Eles começam a reexplicar todo o sentido do texto. Dizendo que a teórica escreveu isso ou aquilo por ser mulher, ou que se sensibilizou com algo só pelo fato de poder engravidar.”

A professora de História, e agora presidente da Associação Nacional de História (ANPUH) pelo biênio 2018 a 2019, foi uma das responsáveis por trazer o congresso internacional Mundo de Mulheres para o Brasil. Conseguir o status de Pesquisadora de Produtividade do CNPQ Nível 1A foi uma luta que começou dentro de sua família desde jovem. “Uma mulher da minha época era ensinada pra casar e ter filhos. Minha família tinha algum dinheiro, mas não era para educar meninas”.

Diferentes realidades tem se mostrado evidentes com o passar dos anos para as mulheres. Recentemente aconteceu na UFSC o maior evento de discussão de gênero da América do Sul. O Mundo de Mulheres Fazendo Gênero foi uma conquista da Universidade coordenada não só pela professora Joana Maria Pedro mas também por tantas outras mulheres que participam do Instituto de Estudos de Gênero (IEG ) e do Laboratório de Estudos de Gênero (LEG). Para a professora, “Esse evento que reuniu mais de oito mil pessoas, a maioria mulheres, mostra a força da mulher pesquisadora, no Brasil e no mundo”.

Linda Inês Pereira Lima
Comunicação Pró – Reitoria de Pesquisa UFSC