Quem Foi Bertha Lutz?

02/12/2019 08:50


Uma vida que ecoou aos quatro cantos do mundo entre estudos compilados em 8000 páginas e a luta pelos direitos da mulher. Bertha Lutz dá nome a espécies de anfíbios como o Aplastodiscus lutzorum e também é responsável pela inserção de um trecho no preâmbulo da Carta da ONU (1945): “Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a (…) reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres(…)”

 

A cientista que estampa um dos quadros da Biblioteca Universitária (BU-UFSC) é paulistana e filha de Adolfo Lutz e Amy Fowler. Traçou seu caminho com influências da bibliografia paterna, pois Adolfo era um médico e cientista que se dedicava aos estudos tropicais, envolvendo parasitologia, botânica e dermatologia. Menina prodígio, foi à Europa aos 14 anos, terminando o ensino médio na Inglaterra, e graduando-se em ciências naturais pela Universidade Paris-Sorbonne, com especialização em anfíbios anuros. Após retornar ao Brasil, começou a trabalhar como tradutora no mesmo local que seu pai trabalhava, o setor de Zoologia do Instituto Oswaldo Cruz (RJ). Um ano depois, Bertha tornou-se Secretária do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, passando no concurso em primeiro lugar e figurando como a segunda servidora pública concursada, atrás da diplomata Maria José de Castro Rebello Mendes. Lá ficou até 1964, quando se aposentou, chefiando o setor de botânica da instituição. Além da formação no campo das ciências naturais, graduou-se em direito em 1933, pela Faculdade do Rio de Janeiro (posteriormente, UFRJ), mesma cátedra que lhe concedeu o título de professora emérita. Mas, há uma trajetória simultânea à acadêmica que começou três anos depois de Bertha integrar a equipe do Museu Nacional, em que ela faria no Brasil muito do que lhe encantou na Europa.

 

Bertha na Conferência de São Francisco, 29145 – Créditos: Arquivo ONU

 

Na graduação, Bertha teve contato com o movimento sufragista, que a motivou a criar a Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), herdeira da Liga para Emancipação Intelectual da Mulher. A entidade visava direitos trabalhistas, garantia de direitos das mulheres e contato com demais países americanos. Transformou-se na União Interamericana de Mulheres, três anos depois da fundação, em 1925, sendo presidida por Bertha. Os objetivos mudaram em detalhes, buscando criação de diretórios estaduais e municipais, mas as diretrizes eram as mesmas. Em 1932, obtiveram vitória no governo de Getúlio, com a implementação do voto feminino, que seria igualado ao masculino somente em 1965 (até essa data, votavam somente mulheres assalariadas). Apesar disso, o mandato de Getúlio não foi totalmente frutífero às ideias de Bertha. A cientista disputou um pleito eleitoral que acabou perdendo, mas que lhe garantiu suplência de Cândido Pessoa, tornando-a deputada federal por dois anos. Sua trajetória política foi discreta justamente pelo fechamento do Congresso Nacional, promovido pelo Estado Novo, de Getúlio. Embora a importação do ideário sufragista para o Brasil, Bertha retornou aos púlpitos internacionais para falar sobre igualdade entre os sexos.

 

Nos EUA, representou o Brasil na Assembleia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, sendo eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana das Mulheres. Em 1945, Bertha foi à notória Conferência de São Francisco, que resultou na Carta da ONU. Lá, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelo Mills College e desempenhou um papel importante para ressaltar os direitos das mulheres em um ambiente pouco representativo: 850 delegados, 50 países e 6 mulheres. De todas as mulheres, 4 assinaram a carta e, dessas, somente Bertha e Minerva Bernadino, da República Dominicana, lutaram pela inserção da igualdade de gênero no documento. Bertha chegou a ser ridicularizada por diplomatas inglesas e norte-americanas, que foram avessas aos seus longos discursos feministas. Seu desempenho célebre na conferência lhe rendeu uma ida para outra conferência da ONU.  À convide do Itamaraty, Bertha falou na Conferência do Ano Internacional, realizada em 1975, no México. O horizonte era o decênio seguinte e as políticas públicas que poderiam ser implementadas. Bertha lamentou a ausência de tempo que limitou a participação de organizações não-governamentais na elaboração do Plano de Ação Mundial.

 

Bertha em avião que lançou panfletos pelo voto feminino – Créditos: Arquivo Nacional

 

Seu legado bibliográfico ficou em seu local de trabalho, o Museu Nacional, até o dia em que o edifício da instituição foi consumido por chamas. Seu trabalho perdeu-se no incêndio e hoje Bertha é lembrada por seus dois caminhos tomados, que se dissociaram poucas vezes. Em entrevista à Brasil de Fato, Magali Romero Sá, vice-diretora de Pesquisa e Educação da Casa de Oswaldo Cruz, atesta que atualmente a situação melhorou e que “(…) conquistamos direitos, temos grandes mulheres cientistas e estamos conseguindo o respeito merecido pelas mulheres, o que foi uma luta grande do movimento feminista e das pioneiras que trabalharam na ciência por muitos anos”. A peculiar determinação de Bertha tornou-a uma importante acadêmica e foi categórica na visibilidade de seus ideais. Uma edição da Coleção Educadores MEC, de 2010, é somente sobre ela, reverberando sua tese: “Recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo é denegar justiça à metade da população”.

 

Eduardo Vargas – Bolsista de Jornalismo da Pró-reitoria de Pesquisa da UFSC